O caso Snowden desencadeou uma série de posições sobre a atividade de inteligência americana, e principalmente sobre a espionagem internacional. O tema tocou o “calo” da Presidente Dilma Rousseff, que hoje inclusive tomou uma postura de “cobrar geral” do Presidente Barack Obama na abertura da Assembléia Geral da ONU, em Nova York. Mas, para analistas e especialistas em política internacional, segurança, defesa e inteligência, o problema da espionagem americana desencadeou na verdade, que o Brasil está desguarnecido da atividade com seriedade, e intensidade.
O governo brasileiro, mesmo sabendo da atuação dos americanos, e quiçá também, de alemães, chineses, franceses, ingleses, cubanos, venezuelanos, e até mesmo de africanos, no monitoramento de informações na Petrobras, o Brasil precisa ter uma visão muito mais realista do tema, e o quanto o mesmo é importante no processo de vantagem competitiva, seja do país, como também das próprias empresas. É piegas demais por parte do governo achar um absurdo a atividade de inteligência, onde a própria Petrobras desenvolve a mesma. Muitas empresas brasileiras, há anos já desenvolvem as atividades de inteligência, e contra-espionagem, e não é nenhum absurdo o que o governo americano vem desenvolvendo. Absurdo sim é não contra-atacar, ou até mesmo ser omissão na questão.
O Blog EXAME Brasil no Mundo conversou com um dos maiores especialistas de inteligência competitiva no mundo, o brasileiro, Alfredo Passos.
Alfredo Passos é Doutor em Administração, Professor da ESPM, Coordenador da FMU, escreveu 4 livros sobre Inteligência Competitiva entre os quais “Homem no Fogão e Mulher na Gestão”. Primeiro Profissional da América Latina a ser honrado com o SCIP Catalyst Award da Strategic and Competitive Intelligence Professionals – USA.
Passos deu sua visão sobre a atividade de inteligência e os reais valores que a mesma pode trazer para as empresas brasileiras.
Brasil no Mundo: O caso Snowden e a espionagem americana no mundo causou perplexidade no governo brasileiro, mas na verdade este assunto é mais do que sabido pela comunidade de defesa e de inteligência. Como o senhor analisa todos os acontecimentos?
Alfredo Passos: Ainda nos falta uma cultura internacional, além de conhecimento histórico para reconhecer que definida legalmente, a espionagem é o ato de obter informações secretas militares, políticas, econômicas e outras de uma nação-estado, através do uso de espiões, furto, monitoramento ou outros meios. Ainda, é considerada como crime grave crime em muitas nações. Em Segredos da Espionagem – Gelio Fregapani, Thesaurus, 2001, comenta que no início da era da espionagem “profissional” (século 16), após Elizabeth I assumir o trono, em 1578, SIR FRANCIS WALSINGHAM, organizou um serviço secreto capaz de obter informações sobre governos estrangeiros em um período de grande rivalidade entre as principais potências européias, como Espanha, França e Inglaterra. Walsingham criou uma organização que desenvolveu, entre outros truques, códigos e instrumentos para enviar e decifrar mensagens secretas, então não cabe susto algum.
Brasil no Mundo: As últimas denúncias do jornalista, Gleen Greenwald, sobre a espionagem americana com abordagem na Petrobras, também não é nada de novo. Considerando Pré Sal e o porte da Petrobras, muitas companhias petrolíferas fazem o mesmo com a chamada Inteligência Competitiva. O senhor poderia explicar os procedimentos da inteligência competitiva, como ela é desenvolvida no mundo e no Brasil?
Alfredo Passos: Inteligência Competitiva é uma técnica com metodologia, ou seja, modelos de análise para antecipar movimentos e tendências de mercado, clientes, consumidores, concorrentes e competidores, mas também minimizar riscos empresariais, de forma ética e legal. Sendo assim, toda e qualquer empresa hoje, está sujeita a ser “observada” por seus competidores, seja micro, pequena, média ou grande empresa, não importa seu setor ou ramo de atividade. Agora, uma empresa que desenvolve uma tecnologia diferenciada de prospecção de petróleo em águas profundas, então com certeza será monitorada através de seu site, revistas gerais e técnicas, palestras, conferências, seminários, relatórios, visitas, fornecedores, licitações. Além é claro da contratação de profissionais que por vezes é o meio mais rápido de transferência de tecnologia de uma empresa para outra.
Brasil no Mundo: As empresas brasileiras praticam Inteligência Competitiva? Em comparação com as empresas americanas e européias, como as empresas brasileiras estão?
Alfredo Passos: Sim, as empresas que estão no mercado brasileiro, cada vez mais praticam Inteligência Competitiva. Das 1.000 empresas listadas por Melhores e Maiores – Exame, certamente 800 empresas, já tem um profissional, com alguma atividade ligada à área de Inteligência Competitiva, mas no âmbito tático, ou seja, ainda olhando o dia-a-dia. Questões de preços, que ações os concorrentes estão praticando, entre outras. Mas poucas ainda pensando nas tendências do mercado ou do setor, que é exatamente a raiz e a necessidade e razão de ser da função.
Brasil no Mundo: Por que uma empresa brasileira deveria desenvolver a inteligência competitiva? Que vantagens imediatas a empresa brasileira obteria?
Alfredo Passos: Diante da complexidade dos negócios, um profissional de Inteligência Competitiva pode recomendar uma estratégia para a empresa. Cada vez mais, Inteligência Competitiva é Estratégia. Quem trabalha monitorando informações internacionais e nacionais, observando movimentos, tendências de setores, elaborando análises empresariais, consegue visualizar diversas estratégias, e assim pode recomendar quais estratégias e recursos estão sendo disponíveis ou não disponíveis no mercado.
Brasil no Mundo: Considerando empresas e universidades, como a inteligência competitiva está se desenvolvendo no Brasil?
Alfredo Passos: Estamos nos aproximando dos primeiros 20 anos de Inteligência Competitiva no Brasil. O crescimento foi intenso, tanto em número de profissionais, como em cursos de extensão, cursos de especialização e até cursos de pós-graduação. Os sobrenomes para Inteligência, Competitiva, Comercial, Empresarial, Estratégica, Mercado, entre muitos outros, também cresceram. Agora é hora, desta diferença, começar a surgir. Enquanto nos EUA e Europa, “Competitive Intelligence”, significa Inteligência Competitiva, aqui no Brasil precisamos de vários sobrenomes para uma atividade que na verdade é entendida de várias formas ainda. Muitos destes cursos são chamados de Inteligência Competitiva, mas de Inteligência Competitiva eles não tem absolutamente nada. Apenas, são assim chamados, mas tem conteúdos de pesquisa de mercado, de tecnologia da informação, de planejamento estratégico, que até podem ser interessantes, mas passam longe das atribuições que um profissional de Inteligência precisa ter no seu background, para poder exercer, a profissão diante de tantos desafios profissionais.
Brasil no Mundo: Sendo o senhor um dos maiores especialistas em inteligência competitiva da América Latina, quais os cenários que o senhor prevê para o Brasil nos próximos 5 anos?
Alfredo Passos: Sou otimista, mas como os leitores e leitoras são do mundo empresarial é preciso uma reflexão para o ambiente socio cultural. O Brasil precisa de Gestão. E de Gestores que façam do país um Brasil melhor para 2017. Com escolas públicas melhores, hospitais públicos melhores, talvez ainda não com padrão FIFA, mas se diminuir o número de pessoas na fila, e menos brasileiros morrendo, já podemos nos sentir com menos culpa, pois até agora, estamos falando muito e fazendo muito pouco e com estes políticos que temos, sabemos que estes não farão nada mesmo. Então precisamos de um choque de gestão com inteligência.
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