quarta-feira, 7 de agosto de 2013

As Pontes Vivas de Meghalaya e a transferência do conhecimento

Retomando as atividades deste blog, creio que seja adequado iniciarmos por um belo artigo publicado por Saulo Figueiredo no Portal WebInsider.

Extraindo sabedoria da simplicidade. Com relativa frequência me deparo pensando sobre os processos de transferência de conhecimentos entre as gerações e sua devida importância. Encontrei então um exemplo de transferência de conhecimentos pela tradição oral (de pai para filhos) que vale a pena compartilhar com todos, visto que revela ricas lições às pessoas, famílias, empresas e até nações. Trata-se das Pontes Vivas de Meghalaya exibidas na foto abaixo.














Algumas destas pontes feitas por moradores locais chegam a ter mais de 500 anos.

Gosto de pensar nas tradições, receitas e nos ofícios mais simples que fluem e são repassados de pais para os filhos. O meu avô, por exemplo, sabia fazer empadas deliciosas (sem igual), sabia construir balaios e forros de bambu que chegavam a durar 60 anos sem ataques de carunchos ou cupins. Ele não teve tempo de me ensinar nenhuma dessas habilidades, quem sabe desnecessárias hoje. Apenas me lembro do quanto eram gostosas as suas empadas e quão belos eram seus artesanatos de bambu. A pergunta que fica é:

Quanta coisa boa já se perdeu no tempo, em nossa recente história, por falta de interesse e das transferências de conhecimentos?

Havia algum conhecimento importante no processo de corte do bambu, visto que ele era imune ao ataque das pragas naturais sem o uso de processos químicos para tratamento dessa matéria prima. Algum conhecimento importante se perdeu neste processo.

Também gosto de lembrar e vou incluir aqui, valores que, igualmente relevantes, também devem ser construídos e compartilhados (ou não) entre as gerações. Valores que quando transmitidos de pais para os filhos reverberam e geram frutos positivos. O contrário disso é a mais pura escuridão.

Em nossos dias, principalmente nos grandes centros, vimos prevalecer um certo egoísmo intelectual. As pessoas se tornaram individuais, imediatistas e egoístas. Agem como se fossem autossuficientes. Querem chegar “lá” a qualquer custo e nesta corrida frenética se esquecem de valores importantes, trocas enriquecedoras e de posturas genuinamente altruístas de impactos perpétuos.

Se esquecem que herdaram um planeta e que devem entregá-lo às futuras gerações no mínimo um pouco melhor. Até inconscientemente, muitos seriam capazes de destruir a terra para conseguir as riquezas e o poder que tanto almejam. E é neste contexto, que o exemplo extraído das Pontes Vivas de Meghalaya se apresenta tão importante e valioso em nossos dias. Então vamos a ele.

Meghalaya é uma região da Índia, que fica num dos lugares mais úmidos do mundo. Em função do isolamento, do terreno acidentado e do alto índice pluviométrico local (ver Monções), a construção de pontes, ao mesmo tempo muito necessária, é também muito complicada. Imagine isso a centenas de anos atrás.

No entanto, já há muitas gerações, um povoado local, ao contrário de esperar, passou a conduzir as raízes de figueira de uma margem à outra dos rios para compor suas travessias, que demoravam muitos anos para ficarem prontas. É importante compreender que tais raízes quando jovens precisam seguir a direção desejada pelo homem para se tornarem travessias futuras. Estas figueiras locais possuem muitas raízes secundárias e seus troncos crescem poderosa, mas vagarosamente nas margens dos rios. Uma vez que as raízes “moldadas” alcançam a outra margem e crescem, viabilizam um caminho novo muito melhor.

Um trabalho magnífico de várias gerações. Desde muito pequenos, os pais ensinam seus filhos a moldar tais pontes. O interessante é que aprendem muitas outras lições implícitas dentro deste esforço generoso já cultural: Não seja egoísta. Pense em futuras gerações e não em si próprio. Se preocupe com o próximo. Essa ponte não será para você, será para os netos dos seus netos. Hoje você usa uma ponte que seu avô construiu para você, muito antes da sua existência. Um exemplo belíssimo. Pense nisso! Os mais velhos não só ensinam o processo de construção das pontes, incentivam desenvolvem uma atitude comunitária e altruísta. Como se motivar a fazer algo para os outros sem resultados no presente? Será que nossa geração de filhos estaria pronta para isso?

Tomei conhecimento das pontes de Meghalaya assistindo o capítulo Rios da série Planeta Humano exibido recentemente pelo Discovery Channel. Desde lá não parei de pensar no assunto.

As pontes neste local não são construídas, mas cultivadas. Tais pontes vivas ficam mais fortes à medida que o tempo passa. Demoram muitos anos para se tornarem funcionais, mas quando maduras suportam muito peso e são muito importantes à comunidade local.

Além da transferência de conhecimento pela tradição propriamente lembrada, consegui extrair outros ensinamentos deste bom exemplo, úteis à empresa e sua Gestão do Conhecimento e relevantes à própria vida e nação. Vamos a eles:

  • A Gestão do Conhecimento na empresa deve ter muito mais de cultivo do que de concreto armado. O cultivo em si exige muito mais zelo e cuidado.
  • Tais como as pontes de Meghalaya, alguns resultados da Gestão do Conhecimento também podem demorar para acontecer, contudo, quando ocorrem a empresa se torna muito mais forte e funcional.
  • A GC, tal como as pontes vivas de Meghalaya se torna mais forte e efetiva à medida que o tempo passa. Amadurecimento é tudo.
  • As empresas que desenvolvem uma visão viva como a deste povoado se tornam muito mais importantes e úteis à comunidade local, deixando de ser um parasita ou peso ao planeta.
  • Construir algo sem pensar em resultados imediatos bate de frente com a lógica egoísta tão enraizada em nossos dias. O exemplo de Meghalaya questiona o modelo mental predominante. Temos que pensar grande e diferente em nossos dias. A frase de Martin Luther King sintetiza o lindo exemplo de Meghalaya: “Se soubesse que o mundo se desintegraria amanhã, ainda assim plantaria a minha macieira.” Todos sabem que uma jabuticabeira não produz frutos prematuramente. É lindo pensar em uma geração de pessoas que mesmo aos 80 anos de idade continua plantando suas jabuticabeiras. O pensamento imperativo é: Alguém um dia provará o doce fruto.
  • Tais como as raízes precisam ser orientadas quando jovens para que sigam um destino útil e relevante, não deveriam ser tão bem cuidados os seres humanos na idade tenra? Já dizia a Bíblia: “Instrui o menino no caminho em que deve andar, e, até quando envelhecer, não se desviará dele.” Provérbios 22.6. Não estaríamos negligenciando a passagem de valores importantes às gerações mais jovens? Em busca de um sucesso desenfreado não estaríamos nos perdendo na formação de genuínos seres humanos? Do mesmo modo nas empresas, a Gestão do Conhecimento não teria um papel importante em se preocupar em transferir os saberes dos mais velhos aos novatos e iniciantes? Isso poderia ser mais espontâneo?
  • Profundo respeito ao meio ambiente. Trata-se de um projeto de arquitetura sustentável.

Sempre procurei pensar a essência da Gestão do Conhecimento nas empresas totalmente dependente da construção de pontes. Sempre defendi a ideia de que o papel dos gestores em relação a Gestão do Conhecimento é de superar as barreiras empresarias que impedem ou atrapalham a criação, multiplicação, utilização e compartilhamento do conhecimento organizacional.

Não só em Meghalaya, mas transpondo para as empresas e para as nações, a construção de pontes que superem tais barreiras é essencial em nossos dias. Precisamos pontes que aproximem as pessoas, pontes que tirem pessoas do isolamento, pontes que trafeguem saberes, valores, dúvidas e respostas. Pontes que conduzam a um futuro melhor. Pontes desprovidas de imediatismo e também dedicadas às futuras gerações.

Antes de tudo, precisamos de líderes construtores de pontes não protetores de muralhas. Isso porque já há muros demais por toda parte. Precisamos de pontes que ajudem a transformar este planeta, merecedor de todo o nosso respeito, em um mundo predominantemente mais generoso, menos egoísta e individualizado, com valores vivos disseminados, com riquezas mais equilibradas e com muito mais calor humano.

Eu construiria pontes para os meus e para os seus netos. E você?

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